
O sistema de Pitágoras deve ter sido dominante por algum tempo, a julgar pelo ataque de Platão ao estado de coisas em sua época, que já considerava privado de ordem e sujeito ao juízo de aventureiros que ou desconheciam ou intencionalmente quebravam as regras estabelecidas. Entre estes revolucionários deveria estarAristóxenes, teórico prolífico que defendia o julgamento das consonâncias pelo ouvido e não por razões matemáticas, filosofia que levou modernamente ao sistema de temperamento de escalas. Mas a execução daquilo que soava bem ao ouvido, um ponto de vista considerado mundano e inferior que satisfazia somente aos sentidos físicos, profanava a ética musical estabelecida anteriormente, pois a música era considerada um poder efetivo por não apenas descrever os vários estados de espírito, mas também por ser capaz de produzi-los concretamente nos ouvintes, e assim a violação de suas regras poderia desencadear desordens na sociedade como um todo. Não obstante os protestos dos idealistas, esta época foi marcada pela evolução da arte em direção a um subjetivismo, à forma livre, à elaboração maior da melodia e do ritmo, e ao uso de cromatismos.[6] [7] [8]
Aristóteles continuaria nesta linha mais aberta de apreciação, estabelecendo uma justificativa antropológica para o fenômeno musical baseada no conceito da catarse. Para ele não havia nada de eticamente nocivo na música, pois ela não deveria pretender ser uma realidade, mas sim um modo de purificação das paixões pela sua indução imitativa,homeopática e por fim liberadora, dizendo que Platão confundia a realidade com a imitação da realidade. Na visão de Aristóteles a música era uma espécie de ócio e uma arte liberal e nobre, sendo ao mesmo tempo medicinal e educativa por oferecer às pessoas a oportunidade do confronto com sentimentos específicos, para conhecê-los e posteriormente, na vida real, poderem ser capazes de escolher os que fossem adequados.[7] [8]
Prática
A música grega mais antiga não deixou qualquer registro. As primeiras menções se encontram na era Homérica, quando já havia uma considerável cultura musical nacional em pleno florescimento, baseada principalmente na récita de poesia acompanhada com instrumentos, do qual o mais comum era a forminx, uma espécie de lira.[9] As descrições sugerem que a música grega era basicamentemonódica, e no máximo heterofônica. É uma asserção geralmente aceita a de que a harmonia, como hoje é entendida — uma organização do tecido sonoro em camadas com várias notas soando simultâneas em acordes — é invenção mais recente, datando da Idade Média. Seus conceitos de dissonância e consonância eram aplicados principalmente para os intervalos da melodia, e não como uma combinação simultânea de notas. Mesmo assim, alguns registros fazem crer que pelo menos em algumas ocasiões havia música realmente harmônica, ainda que isso fosse considerado uma técnica avançada e nem sempre adequada. Não parecem ter dado grande importância à ornamentação da melodia, permanecendo o ritmo e a inteligibilidade da poesia cantada aspectos de interesse principal.[10]
No século VI a.C. o coro passou a ter importante papel em eventos públicos, religiosos ou laicos, e a lírica coral se tornou um gênero autônomo, elaborando tipos definidos de composição para cada ocasião. Assim, eram entoados ditirambos em honra a Dionísio, peãs para Apolo, epitalâmios nos casamentos, trenodias nos funerais, partênios como canto de jovens,hinos em louvações variadas, e epínicos para os vencedores dos Jogos. Todas estas formas dependiam diretamente da estrutura e ritmo da poesia, e a origem do teatro grego está na evolução dos ditirambos cantados.
O ritmo
Devido à íntima ligação da música com a poesia, a teoria do ritmo recebeu grande atenção dos gregos antigos, provavelmente maior do que a melodia. O Pseudo-Aristóteles escreveu que "a melodia em si é frouxa e incerta, mas quando adicionada a um ritmo, torna-se definida e ativa", e Aristides Quintiliano disse que "as notas sozinhas, por causa da falta de diferenciação em seu movimento, deixam a linha melódica obscura e confusa: são os elementos do ritmo que tornam claro o caráter da melodia". Sua métrica musical com forte probabilidade acompanhava a prosódia poética. Os poucos fragmentos que sobrevivem de notação musical grega parecem confirmar esta associação estreita entre o ritmo do verso e a duração das notas. No período clássico Platão insistiu neste aspecto em seus diálogos, colocando a música sob a égide da palavra, mas presume-se que mais tarde tenham sido introduzidas mudanças neste esquema rígido, dando mais liberdade aos compositores. Também parece que a duração das notas obedecia a uma sistematização baseada em proporções matemáticas, com o predomínio da relação de 2:1.[11]
O primeiro tempo, base do sistema, era definido pela nota breve (U), que duplicada formava a longa (-). A combinação de breves e longas gerava ritmos básicos, chamados de pés, análogos aos tempos modernos. Havia assim o iambo (U-), otroqueu (-U), o tríbraco (UUU), o dáctilo (-UU), o anapesto (UU-), e diversos outros. O dáctilo era de todos o mais comum. Diferentes ritmos podiam ser combinados em uma mesma peça, e muitas vezes a definição precisa do ritmo é difícil. A justaposição de pés diversos formava os metros, e vários metros compunham uma frase ou kôlon. Por sua vez as frases de agrupavam em períodos e os períodos em estrofes, ordinariamente seguidas de uma reprise (antístrofe) e de um final(epodo). O andamento era um aspecto também vinculado ao ritmo. Pouco se sabe sobre os andamentos absolutos dos gregos, mas é presumível que nenhuma música fosse cantada rápido demais a ponto de impedir a boa compreensão das palavras. Certos ritmos estavam mais associados a determinados andamentos. Por exemplo, o troqueu era mais empregado em músicas rápidas, o peônio a comédias ligeiras, o espondeu a declamações solenes e lentas, e o dócmio a danças vigorosas.[12]
Notação e obras
A notação musical grega já estava firmemente estabelecida no século III a.C., mas suas origens são desconhecidas. Não parece ter sido uma escrita que indicava com precisão os valores das notas, servindo mais como auxílio mnemônico dos músicos profissionais, que estavam a par de uma sólida tradição de transmissão oral. Havia dois tipos de notação: avocal, que utilizava letras do alfabeto jônico, e a instrumental, empregando sinais semelhantes a letras. Além disso outros sinais como pontos e traços eram adicionados para significar modificações nos valores. Esta notação, que ainda não foi bem decifrada, parece pressupor a existência de uma escala musical de duas oitavas e de um sistema semelhante em função à atual armadura de clave, que indicava qual dos modos gregos devia ser usado. Contudo, este sistema foi fixado em manuais somente na época de Aristóxenes.[13]
Atualmente sobrevivem apenas pouco mais de 60 fragmentos de obras musicais, e apenas uma peça é completa, o breveEpitáfio de Sícilo. A maior parte dos fragmentos data dos séculos II e III a.C. O mais antigo é do século V a.C., com algumas poucas notas inscritas em uma cópia da tragédia Orestes, de Eurípides.[14]
Instrumental
Alguns instrumentos se tornaram tradicionais:
- A lira, um instrumento de cordas tangidas afinadas segundo as notas de um dos modos, e fixadas em um arcabouço formado com o casco de tartaruga. Era usada como acompanhamento para recitativos e canções.
- A cítara, também um instrumento de cordas, mais complexo que a lira, possuindo uma caixa de ressonância. As cordas era tocadas com um plectro e podiam ser afinadas em diferentes alturas.
- O aulo (aulos), usualmente duplo (diaulo (Diaulos), sendo uma espécie de flauta compalheta, possivelmente produzindo uma sonoridade similar à do oboé ou clarinete.
- A flauta de Pã, também conhecida como siringe (Syrinx), constituída de uma série de tubos fixos juntos, de comprimentos diferentes, através dos quais o ar era soprado pela extremidade superior.
- O Hidraulo (hidraulos), um instrumento de teclado, precursor do órgão moderno. Empregava água sob pressão para produzir som através de movimento do ar nos tubos.
Referências
- ↑a b Hemingway, Colette, and Seán Hemingway. "Music in Ancient Greece". In: Heilbrunn Timeline of Art History. The Metropolitan Museum of Art, 2000
- ↑ Cartwright, Mark. "Greek Music". Ancient History Encyclopedia, 2013
- ↑ West, M. L. Ancient Greek Music. Clarendon Press, 1992, pp. 160-162
- ↑ Proust, Dominique. "Harmony of Spehres: from Pythagoras to Voyager 2". In: Valls-Gabaud, D. & Boksenberg, A. (eds.).The Role of Astronomy in Society and Culture. Proceedings of the IAU Symposium No. 260, 2009. International Astronomical Union, 2011, pp. 358-367
- ↑ Berghaus, Günter. "Neoplatonic and Pythagorean Notions of World Harmony and Unity and Their Influence on Renaissance Dance Theory". In: Dance Research — The Journal of the Society for Dance Research, 1992; 10 (2):43-70
- ↑ West, p. 132; 165-170
- ↑
- ↑
- ↑ Hagel, Stefan. Homeric Singing - An Approach to the Original Performance. Österreichische Akademie der Wissenschaften, 24/10/2002
- ↑ Whibley, Leonard. A Companion to Greek Studies. Cambridge University Press, 2015, pp. 370-371
- ↑ West, pp. 129-132
- ↑ West, pp. 135-158
- ↑ Hagel, Stefan. Ancient Greek Music: A New Technical History. Cambridge University Press, 2009, pp. 1-3
- ↑ Pöhlmann, Egert & West, Martin Litchfield. Documents of Ancient Greek Music: The Extant Melodies and Fragments. Clarendon Press, 2001
Nenhum comentário:
Postar um comentário